quinta-feira, 11 de novembro de 2010

debilidade urbana (com a vez, o tempo!)

Era meio dia e o sol rachava o chão. O estilhaço de cada passo dado pelos transeuntes misturava com a poeira estonteante da vida que não para. Como um mix convexo, dona Sebastiana saía de sua casa em busca de novos ares. O negócio é que ela não conseguia enxergar o problema anunciado pelos jornais, mas o semáfaro da faixa de pedestres estava mais claro que nunca!

Passado o tapete listrado sobre o asfalto úmido e baforento, a vovó, encantada com a potencialidade da estação do ano, não se entregou às notícias factuais que estamparam os jornais daquela terça-feira e vestiu seu melhor maiô. Seu filho, muito pragmático, despercebia o sentido daquela ação em pleno dia de semana e tentou coibir o entusiasmo da velhinha; mas, como havia de ser, foi em vão.

Conservada, Sebastiana colocou seus óculos Channel - da época em que vestia 36 sem esforço e carregava seus dois filhos em cada braço todos os dias de sua casa até o mercado - e saiu vestida com seu melhor sorriso em busca de um lugar onde ela pudesse ser; sem precisar provar nada a ninguém.

Ela caminhou. E muito. Aliás, a senhora de 82 anos percorreu um caminho suficiente para esbarrar em um cenário que a inspirava. Brisa, sombra, pássaros, cantoria, verde, nobreza e sensatez. Por mais que possa parecer ininteligível, dona Sebastiana percebeu (de alguma forma) que tal fato só pode acontecer agora, em plena era tecnológica e informatizada. "Como assim não sabes o que é um wireless?" Todos do seu condomínio comentavam sobre as ferramentas que a internet trouxe para auxiliar na vida cotidiana, mas Sebastiana insistia em se prender ao tempo em que colecionava agulhas e preparava o enxoval da família à mão - da mesma forma em que o tempo havia se restringido em agir sobre a debilidade de seu corpo e à maneira em que se esculpiu as rugas de sua face.

Eis que finalmente a simpática mulher madura (!) se deparou com os encantos e mordomias eletrônicas e comprou um ventiladorzinho portátil na loja menos firulenta do quarteirão no qual trafegava. O prendera na aba do chapéu, amarrou a cartucheira na cintura (que hoje já se rendia à numeração 46), se lambuzou com um creme protetor (aquele da bula lida pelo Pedro Bial), deu dois nós em cada cadarço e caminhou bastante até que se deparou com o lugar novo. Como ela ainda engatinhava nos processos tecnológicos, Sebastiana demorou para encontrá-lo; motivo, falta de traquejo com máquinas. Quando ela parava as pessoas nas ruas para saber em qual rota direcionar seu rumo, todos estavam com cabeça abaixada, o tronco reclinado, olhos esbugalhados e fixados em um monitor minúsculo que emanava luz e suas mãos abrigavam.

Sebastiana não entendia.
Mas ao chegar naquele ambiente onde as plantas tinham seus espaços infinitos para se desenvolver, as copas das árvores a desabrochar frutos maravilhosos sem pudor e o que ou a quem temer, Sebastiana se deparou com uma pessoa de costas, que chegou a quase censurar o novo. Ele estava com uma postura semelhante a das pessoas que ela se esbarrou durante o percurso até onde não cabia mais luz do pôr do sol. No entanto, este rapaz vestia uma bermuda confortável, blusa e chapéu sorrateiramente virado para o lado. Foi no instante em que Sebastiana confundiu-se e esqueceu do calor. Ela encheu um balãozinho de pensamento e formulou em sua mente: "Bem... a diferença é que o jovem aprecia a inteligência da natureza, enquanto que aquela gente da rua se rende (ao tempo em que se amarram) aos "benefícios" da dita comodidade urbana". Ao fechar suas aspas e espanar as espuminhas do balão de pensamento de quadrinhos, Sebastiana constatou falcimente que: ferramentas como chave de fenda, alicate e martelo estavam ensacadas ao lado do jovem rapaz, que por sua vez, se acomodava à sombra e a tensão em que os passos das formigu(inh)as atrozes percorriam. (Sebastiana identificou-se!) Logo, dessa forma, ela percebeu que as ferramentas utilizadas pelas mãos unificadas da massa da rua, lhe fazia de refém, restringindo, portanto, àquela gente a um universo patologicamente digital. Tudo parecia em vão. Já para Francisco, o mundo parecia uma obra de arte palpável como a pele enrugada e os fios sábios e brancos de dona Sebastiana, esportista implacável na família.

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