terça-feira, 16 de novembro de 2010

Sem paradigmas

Tive um sonho, vou te contar.
Eu me deparava com uma multidão que queria sorrir, mas não podia. Era preciso, portanto, fechar os olhos para que a irradiação não chegasse a me maxucar.
Mas a areia, que arranhava as entranhas de um, alcançava o paladar do outro e assim, o movimento infestava todo o ambiente. Até que, aquele sentimento que inibe qualquer outro deixou de me pertencer e tentei replicar o conceito que mais enobrece o indivíduo entre os demais. Cansativo, mas até que operante.
O orgulho deu lugar à ação e tudo o que eu mais queria era alcançar a lua com o seu sorriso mais tenro. A ternura era mais importante que todo aquele batalhão de hipocrisia que à mim permeava. O sentimento de exatidão que o olhar conceituava ao pestanejar cada milímetro de mistério confortava como uma manta em um dia de inverno. As folhas caíram. O céu ficou limpo. As pessoas, despidas de arrogância e o ministério das causas improváveis deu lugar àquela cena inicial..

Desconcertante.
Displiscente.

Tomei nota e abri os olhos. Foi fácil, mas complicado de se pautar em linhas paralelas e sobrepostas. Dedilhá-lo é mais sonoro..

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

debilidade urbana (com a vez, o tempo!)

Era meio dia e o sol rachava o chão. O estilhaço de cada passo dado pelos transeuntes misturava com a poeira estonteante da vida que não para. Como um mix convexo, dona Sebastiana saía de sua casa em busca de novos ares. O negócio é que ela não conseguia enxergar o problema anunciado pelos jornais, mas o semáfaro da faixa de pedestres estava mais claro que nunca!

Passado o tapete listrado sobre o asfalto úmido e baforento, a vovó, encantada com a potencialidade da estação do ano, não se entregou às notícias factuais que estamparam os jornais daquela terça-feira e vestiu seu melhor maiô. Seu filho, muito pragmático, despercebia o sentido daquela ação em pleno dia de semana e tentou coibir o entusiasmo da velhinha; mas, como havia de ser, foi em vão.

Conservada, Sebastiana colocou seus óculos Channel - da época em que vestia 36 sem esforço e carregava seus dois filhos em cada braço todos os dias de sua casa até o mercado - e saiu vestida com seu melhor sorriso em busca de um lugar onde ela pudesse ser; sem precisar provar nada a ninguém.

Ela caminhou. E muito. Aliás, a senhora de 82 anos percorreu um caminho suficiente para esbarrar em um cenário que a inspirava. Brisa, sombra, pássaros, cantoria, verde, nobreza e sensatez. Por mais que possa parecer ininteligível, dona Sebastiana percebeu (de alguma forma) que tal fato só pode acontecer agora, em plena era tecnológica e informatizada. "Como assim não sabes o que é um wireless?" Todos do seu condomínio comentavam sobre as ferramentas que a internet trouxe para auxiliar na vida cotidiana, mas Sebastiana insistia em se prender ao tempo em que colecionava agulhas e preparava o enxoval da família à mão - da mesma forma em que o tempo havia se restringido em agir sobre a debilidade de seu corpo e à maneira em que se esculpiu as rugas de sua face.

Eis que finalmente a simpática mulher madura (!) se deparou com os encantos e mordomias eletrônicas e comprou um ventiladorzinho portátil na loja menos firulenta do quarteirão no qual trafegava. O prendera na aba do chapéu, amarrou a cartucheira na cintura (que hoje já se rendia à numeração 46), se lambuzou com um creme protetor (aquele da bula lida pelo Pedro Bial), deu dois nós em cada cadarço e caminhou bastante até que se deparou com o lugar novo. Como ela ainda engatinhava nos processos tecnológicos, Sebastiana demorou para encontrá-lo; motivo, falta de traquejo com máquinas. Quando ela parava as pessoas nas ruas para saber em qual rota direcionar seu rumo, todos estavam com cabeça abaixada, o tronco reclinado, olhos esbugalhados e fixados em um monitor minúsculo que emanava luz e suas mãos abrigavam.

Sebastiana não entendia.
Mas ao chegar naquele ambiente onde as plantas tinham seus espaços infinitos para se desenvolver, as copas das árvores a desabrochar frutos maravilhosos sem pudor e o que ou a quem temer, Sebastiana se deparou com uma pessoa de costas, que chegou a quase censurar o novo. Ele estava com uma postura semelhante a das pessoas que ela se esbarrou durante o percurso até onde não cabia mais luz do pôr do sol. No entanto, este rapaz vestia uma bermuda confortável, blusa e chapéu sorrateiramente virado para o lado. Foi no instante em que Sebastiana confundiu-se e esqueceu do calor. Ela encheu um balãozinho de pensamento e formulou em sua mente: "Bem... a diferença é que o jovem aprecia a inteligência da natureza, enquanto que aquela gente da rua se rende (ao tempo em que se amarram) aos "benefícios" da dita comodidade urbana". Ao fechar suas aspas e espanar as espuminhas do balão de pensamento de quadrinhos, Sebastiana constatou falcimente que: ferramentas como chave de fenda, alicate e martelo estavam ensacadas ao lado do jovem rapaz, que por sua vez, se acomodava à sombra e a tensão em que os passos das formigu(inh)as atrozes percorriam. (Sebastiana identificou-se!) Logo, dessa forma, ela percebeu que as ferramentas utilizadas pelas mãos unificadas da massa da rua, lhe fazia de refém, restringindo, portanto, àquela gente a um universo patologicamente digital. Tudo parecia em vão. Já para Francisco, o mundo parecia uma obra de arte palpável como a pele enrugada e os fios sábios e brancos de dona Sebastiana, esportista implacável na família.